quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

DEL- DISTÚRBIO ESPECÍFICO DA LINGUAGEM

TEXTO ESCRITO E CORRIGIDO POR UMA PACIENTE DE DISTÚRBIO ESPECÍFICO DA LINGUAGEM, HOJE COM 27 ANOS.

Como foi a minha formação
Eu era uma criança completamente normal que tirava boas notas no Jardim de Infância, até que chegou a alfabetização e não conseguia entender aquele código. Eram vários sons que eram representados em um desenho que se chamava letra: Nossa! Não conseguia ter uma lógica, uma associação para conseguir aprender. Outro problema para mim era na fala, trocava todos os sons, como era difícil falar “secretária”! Eu sabia que eu não tinha a mesma capacidade de aprendizado na fala e na escrita do que uma criança convencional, mas sabia que no fundo era inteligente e que um dia todos iriam reparar.
Sem saber o porquê da minha dificuldade fui buscar ajuda, meus pais me colocaram em Fono, Psicóloga e em bons colégios. Ninguém sabia o que eu tinha, nem a minha antiga Fono. Fiz testes de surdez, fiz teste de QI e tudo dava normal, ou um pouco acima da média. Resultado disso, não tive outra solução a não ser aceitar minha deficiência e encará-la de frente. Demorei 2 anos e meio para conseguir me alfabetizar, e mesmo quando eu aprendi a ler ainda tinha muita dificuldade. Eu gaguejava muito, e como minha professora da 4ª série sempre pedia para eu ler na frente da sala.la dava bronca em quem fazia Bulling e mandava repetir até conseguir. Me lembro quando eu consegui entender todas aquelas letras das placas de sinalização, ainda não tive maior satisfação, fiquei tão feliz! Eu percebi que apesar de muito esforço eu estava lendo e escrevendo, e quanto m ais eu treinava mais eu conseguia aprender. Aquilo me deu tamanha satisfação que lembro de estudar 8 horas por dia todos os dias para conseguir tirar 7 ou 8.
Tive que ser extremamente organizada para mapear tudo aquilo na minha cabeça. Acabei saindo da Fono e da Psicóloga porque não via melhora.
Infelizmente não me deram os exercícios adequados que me ajudassem. Comecei a decorar todas aquelas letras e sons. Desenvolvi um método próprio para conseguir associar a palavra à figura, exemplo: “cavalo” se escrevia “cavalo” e associava ao som “cavalo” e a imagem do animal. Um processo demorado e cansativo, mas que consegui vencer meus obstáculos. Depois de anos fui entender que o “c” com “a” faz o som de “ca”.
Eu descobri que tenho Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) com 25 anos em 2012. Apesar de ter vencido várias dificuldades eu ainda tinha muita dificuldade para me expressar. E ao formar frase, eu ainda pensava de trás para frente, exemplo: eu pensava “sua casa eu vou”, posteriormente reestruturava e falava “eu vou para sua casa”, e quando eu lia um texto precisava reler três ou quatro vezes para ter a compreensão do mesmo.
Há um ano e meio que estou fazendo Fono e todos já comentaram que estou me expressando muito melhor, você tem sempre que estudar para não regredir e melhorar sua fala e escrita. Aprendi inglês tarde, com 20 anos, e precisei morar um ano na Nova Zelândia para pegar fluência, faz 7 anos que estudo inglês e não sou fluente, mas consigo me comunicar muito bem.
Normalmente as pessoas me perguntam: “Nossa! Como você lidou com isso? Você era apenas uma criança e não tinha o tratamento apropriado, e ainda parecia ter problemas com sua autoestima”. Sinceramente não foi bem assim até os 24 anos, eu sempre achei que fosse burra mesmo, e para ninguém descobrir isso, me dediquei muito além do normal. Quando descobri que tinha “DEL” fiquei muito aliviada e falei para todo mundo: “Viu! Sabia que não era falta de inteligência, eu só raciocino de uma forma diferente”.
Até os meus 24 anos eu lidava como se fosse uma deficiência, como se eu fosse uma pessoa limitada na linguagem e sempre que alguém ria de mim eu pensava: pelo menos estou fazendo essa pessoa feliz e descontraindo o ambiente. Desde que me entendo por gente eu era motivo de piada e fiz questão de reforçar o meu cargo de palhaço na vida. Comecei a notar que poucas pessoas tinha a capacidade de ser espontânea, queria fazer com que os outros rissem e fazer as pessoas felizes perto de mim. Acabei descobrindo que para você ser amado e aceito na sociedade basta você ser você mesmo e aceitar suas limitações e não escondê-la, e trabalhando-as para sempre melhorar como pessoa e profissional. Hoje trabalho em uma grande empresa, já me graduei e atualmente faço pós de gerenciamento de projeto na FGV e pretendo fazer mestrado fora do país.

Aprendi a lidar com medo para me impulsionar para frente.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Estudos sobre a Gagueira



O segredo que se esconde na matéria branca
Exames modernos de neuroimagem estão permitindo decifrar um dos mais antigos mistérios da humanidade: a gagueira.
Por Kate Watkins *


Nos últimos anos, com o aperfeiçoamento dos métodos de neuroimagemamento, cada vez mais estudos científicos começaram a descobrir diferenças físicas na organização do cérebro de pessoas que gaguejam. Até pouco tempo atrás, a grande dúvida era saber se essas diferenças eram resultado do convívio com a gagueira ou se elas já estavam presentes desde a infância. Dois estudos recentes ofereceram respostas a esta dúvida. A pesquisadora Kate Watkins, autora do texto abaixo, é a líder de um desses estudos.

No começo de 2008, dois grupos de pesquisa sobre gagueira publicaram estudos de neuroimagem em jovens adultos, adolescentes e crianças que gaguejam. Esses estudos revelaram anormalidades funcionais e estruturais no cérebro dessas pessoas. O objetivo deles era fornecer um melhor entendimento das causas da gagueira e ajudar a explicar por que algumas crianças recuperam-se da gagueira, enquanto outras continuam a gaguejar. Considerando o resultado dos dois estudos em conjunto, estamos começando a responder estas perguntas.
Em nosso artigo, publicado na revista Brain, descrevemos diferenças na organização física das conexões entre algumas áreas do cérebro em um grupo de adolescentes e pessoas jovens que gaguejam (com idade variando de 14 a 27 anos). Essas diferenças explicaram por que este grupo de pessoas exibia uma atividade reduzida em algumas regiões do córtex cerebral durante a produção de fala.
Outro grupo de pesquisadores (Chang et al.) publicou descobertas muito similares na revista NeuroImage. Estudando crianças na faixa etária de 9 a 12 anos, eles descobriram que, no grupo com gagueira persistente, as conexões de matéria branca estavam rompidas na mesma região identificada em nosso estudo. Já no grupo constituído por crianças que tinham se recuperado da gagueira, a matéria branca estava íntegra. Eles também encontraram mudanças no volume da matéria cinzenta cortical, tanto em crianças com gagueira persistente quanto em crianças que tinham se recuperado da gagueira, e apontaram diferenças em relação ao cérebro de adultos que gaguejam.

CONEXÕES PARTIDAS
Esses estudos usaram aparelhos modernos de ressonância magnética, que fornecem imagens mais detalhadas da estrutura do cérebro com base no movimento dos átomos de hidrogênio das moléculas de água. Tanto em nosso estudo quanto no de Chang, utilizou-se um novo tipo de ressonância, conhecido como imageamento por tensor de difusão (DTI ressonance), para investigar a organização das conexões de matéria branca no cérebro. A matéria branca é responsável pela conexão entre as diversas áreas do sistema nervoso central. Ela é chamada de branca porque é constituída principalmente por um tecido gorduroso conhecido como mielina. Este revestimento gorduroso fornece isolamento para as fibras que conectam as diferentes regiões do cérebro e também aumenta a velocidade de transmissão dos sinais elétricos entre essas regiões. Em razão de o tecido ser gorduroso, as moléculas de água não têm liberdade total de movimento na matéria branca. A restrição para a mobilidade das moléculas ocorre principalmente na direção perpendicular ao feixe de fibras, e menos na direção longitudinal (ao longo do comprimento do feixe). Assim, ao medir os diminutos movimentos das moléculas de água, podemos obter imagens que mostram como as fibras estão orientadas.
Ambos os estudos descobriram que os feixes de fibras normalmente bem alinhados que conectam as áreas do cérebro envolvidas na produção de fala estavam rompidos em pessoas jovens que gaguejam. Esta ruptura provavelmente reduz a eficiência da comunicação entre as áreas envolvidas no processamento da fala.

MEDINDO A ATIVIDADE
A atividade no cérebro ocorre junto aos corpos celulares dos neurônios, localizados na matéria cinzenta. Na superfície do cérebro, a matéria cinzenta forma uma estreita camada de cerca de meio centímetro de espessura chamada córtex. Mais profundamente no cérebro, também encontramos matéria cinzenta em regiões chamadas “núcleos”, como nos núcleos da base. Em nosso estudo, além de um exame de ressonância para avaliar a estrutura do cérebro (DTI ressonance), usamos também outro tipo de ressonância, a FMRI (ressonância magnética funcional), para investigar a atividade no cérebro enquanto as pessoas produziam fala. Este tipo de exame de imagem detecta mudanças na quantidade de oxigênio transportado no sangue para o cérebro. Quando uma área do cérebro está ativa, ela precisa de mais oxigênio e mais fluxo sanguíneo. A ressonância magnética funcional mostra como esses padrões de atividade cerebral mudam enquanto a pessoa está falando.
Nosso estudo descobriu que, durante a produção de fala, as pessoas que gaguejam mostraram atividade aumentada em áreas do cérebro que não são tipicamente usadas pelo grupo-controle formado por pessoas fluentes. Algumas dessas regiões estavam no hemisfério direito, e outros estudos sugerem que esta atividade reflete um processo de compensação da gagueira. Também encontramos atividade aumentada em pessoas que gaguejam numa região do mesencéfalo, na altura da substância negra. Os núcleos de massa cinzenta nesta região profunda são parte dos núcleos da base, um conjunto de estruturas envolvidas no controle e na iniciação do movimento. A atividade extra nesta região em pessoas que gaguejam é consistente com as sugestões de estudos anteriores de que a gagueira se deve a uma função anormal dos núcleos da base ou a quantidades anormais de dopamina.
Outra descoberta interessante em nosso estudo foi que pessoas que gaguejam apresentam uma atividade reduzida em uma parte importante do sistema normal de produção de fala. Esta região – o córtex pré-motor ventral – fica imediatamente acima da área em que fibras de matéria branca estão rompidas, conforme revelado pelo estudo de difusão. É provável que a atividade na região esteja reduzida devido a um rompimento da conectividade normal e da comunicação eficiente com outras regiões do cérebro que são importantes para a produção de fala fluente.

MATÉRIA CINZENTA
Chang e seus parceiros de pesquisa também encontraram diferenças no volume da matéria cinzenta em partes do córtex envolvidas na produção e percepção da fala em crianças que gaguejam. Eles encontraram menos matéria cinzenta perto do córtex pré-motor ventral, onde havíamos detectado uma atividade reduzida. Além disso, também encontraram menos matéria cinzenta em regiões que são normalmente ativadas quando se escuta a fala (os lobos temporais). Essas diferenças em volume de matéria cinzenta estavam presentes até mesmo em crianças que tinham se recuperado da gagueira. [N.T.: ou seja, ao contrário das diferenças na matéria branca, que são diacríticas para a gagueira persistente, as diferenças no volume de matéria cinzenta não são um bom prognosticador para a persistência ou remissão da gagueira em crianças].  
Ao contrário dos estudos feitos em adultos que gaguejam, nenhum aumento na matéria cinzenta foi encontrado no hemisfério direito das crianças. Isso sugere que, em adultos que gaguejam, algumas
das diferenças verificadas podem ser conseqüência do longo convívio com a gagueira. 
É importante entender mais sobre as causas das diferenças na estrutura e função cerebral associadas à gagueira. Algumas dessas diferenças podem refletir estratégias compensatórias que fazem uso de uma outra função para controlar a fala, ou que usam regiões do cérebro fora do sistema desconectado pelos feixes rompidos de matéria branca, e que não são normalmente usadas no cérebro de pessoas fluentes. Esta idéia é apoiada pelas descobertas sobre o volume da matéria cinzenta, no estudo de Chang. Por outro lado, algumas diferenças poderiam ser de fato a causa fundamental da gagueira e podem estar relacionadas a variações genéticas ou incidentes ao longo do desenvolvimento.
Pesquisas adicionais, particularmente estudos longitudinais, começando nos primeiros anos de vida, podem ajudar a lançar luz sobre essas questões.




Referências:
􀂄- Chang, SE et al (2008). Brain anatomy differences in childhood stuttering, NeuroImage 39(3):1333-44.
- 􀂄Watkins, KE et al (2008). Structural and functional abnormalities of the motor system in developmental stuttering. Brain 131(Pt 1):50-9.
 Sobre núcleos da base e dopamina, veja p.ex. http://www.gagueira.org.br/nucleosdabase.pdf